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02/10/17

A OUTRA FACE DE ROMA




Um súbito e decerto nostálgico desejo de, passados tantos anos, voltar a Roma, não me levou ainda a revisitar a antiga “capital do mundo”, mas, para já, a reler o volume “Das origens de Roma à formação do Império”, da História Universal de Carl Grimberg e Ragnar Svanström, publicada no já longínquo ano 40 do século passado.

A grandeza de Roma é justificada pelo apego à agricultura: “Inúmeras populações, diz Mommsen, venceram outras e conquistaram os seus territórios, como fizeram os Romanos, mas nenhuma nação, como os Romanos, fez sua a terra anexada, fecundando-a com o seu suor, nenhuma adquiriu pela charrua o que já tinha conquistado pela lança”. Concluem os autores queEste respeito que os Romanos votavam aos trabalhos pacíficos explica, tanto como o seu forte sentimento nacional, o poder que eles alcançaram na Itália e, em seguida, no mundo inteiro.

Embora o objecto da pesquisa histórica seja a Roma antiga, nem por isso os autores deixam de fazer uma prevenção sobre a civilização grega que tanto influenciou aquela: “Sabemos agora que numerosos defeitos, numerosos erros, retiram à vida grega a sua auréola. Basta, por exemplo, pensar na escravatura e na situação social da mulher.”

Ora, se o admirável legado artístico e filosófico grego está gravemente manchado pela escravatura e pela menorização da mulher, o que se poderá então dizer da antiga Roma, famosa pelas suas conquistas e feitos de engenharia, quando à escravatura juntava, por exemplo, o poder discricionário do pater famílias?: “O pai de família romano dispunha de um enorme poder. Tinha o direito ilimitado de impor penas corporais quando as julgasse necessárias. Podia vender a mulher e os filhos como escravos e mesmo matá-los sem ter de prestar contas dos seus actos à justiça secular. Por essas acções só era responsável perante os deuses.”

Jérôme Carcopino, na sua obra “A Vida Quotidiana em Roma no Apogeu do Império”, de 1938, sustenta, no entanto, que “No século II da nossa era as duas feições essenciais da pátria potestas, a autoridade absoluta do pai sobre os filhos e do marido sobre a mulher (…) desvaneceram-se gradualmente (…) (embora possua) ainda a faculdade horrível, que só lhe há-de ser retirada por influência do Cristianismo em 374 da nossa era, de expor os recém-nascidos (principalmente os seus bastardos e as suas filhas) nos depósitos públicos onde perecem de fome e de frio a não ser que a piedade de um passante (…) os venha recolher e salvar a tempo.”

Apesar de este historiador achar, no prefácio da obra, que “Nada muda tão depressa como os hábitos dos homens”, estas descrições significam que o poder absoluto do pater famílias se exerceu durante mais de 700 anos de vida romana, atravessando o período monárquico inicial e cinco séculos de regime republicano, curiosamente só perdendo força sob o domínio dos imperadores; enquanto a escravatura só viria a ser oficialmente abolida no decurso dos séculos XVIII e XIX.

A história do mundo greco-romano mostra que o progresso humano é um processo longo e doloroso, que está para lá da grandeza das nações e dos impérios.

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