Mário Martins
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“O filme poderia dispensar todo o aparato da ficção científica, ‘para que o essencial fosse expresso com muito maior clareza".
Andrei Tarkovsky (Wikipédia)
Num certo sentido compreende-se que o célebre realizador russo desse belo filme Solaris, tenha querido retirar da adaptação para cinema, nos já longínquos idos de 1972, da famosa novela do polaco Stanislaw Lem, a parte de ficção científica, embora, evidentemente, também se compreenda que o escritor não tenha deixado.
Tudo, na ficção solarística, é estranho e misterioso, mas, realmente, essa estranheza e esse mistério são uma projecção humana. O mistério está em nós, na vida, na morte, no mundo medeado pela nossa cabeça. Quer isto dizer que o mundo não existe fora dela? Sabemos, através da ciência, que o (nosso) universo existe há milhares de milhões de anos e que nós só existimos há um ou dois milhões*, mas não está ao nosso alcance saber o que é existir sem a consciência inteligente dessa existência (o que é “ser” uma pedra?), incapacidade que, aliás, nos acontece todos os dias, quando estamos a dormir**. Só através da nossa consciência inteligente no estado de vigília é que sabemos que a natureza já existia antes de nós e que não deixa de existir enquanto dormimos. Neste sentido, a realidade objectiva só tem significado se lida por observadores inteligentes. Fora disso a natureza é ininteligível, mas é nessa “zona negra” que está a chave inacessível do enigma.
A ciência conduz-nos, no melhor dos casos, ao mundo bizarro das partículas elementares e às leis da natureza, mas declara-se incompetente para explicar a origem de umas e outras, dito de outro modo, mostra-nos como, aparentemente (de acordo com os dados que, em cada momento, consegue recolher), funciona a natureza, mas não a sua origem e, muito menos, o seu sentido.
Este terreno da explicação da origem e do sentido da natureza, e também do conforto perante o sofrimento e a morte, foi desde sempre ocupado pela religião, nos seus diferentes credos, mas não só lhe falta o valor da prova como a escala universal da ciência.
Restam, nas suas várias formas, a arte, que para Tarkovsky era um modo de oração, e a filosofia, que tudo pensa.
*É possível, não sabemos, que sempre tenham existido consciências inteligentes noutras partes do universo, hipótese que, no entanto, não altera o fundo da questão.
**Este corte diário com o real, incluindo nós próprios, deveria aterrorizar-nos, mas o sono e a confiança em acordarmos sossega-nos naturalmente.
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