António Mesquita
"Este é o primeiro princípio da democracia: que as coisas essenciais são aquelas que temos em comum, não as coisas que temos separadamente. E o segundo princípio é meramente este: que o instinto ou o desejo político é uma dessas coisas que temos em comum. Apaixonar-se de amor é mais poético do que enamorar-se da poesia. A convicção democrática é que o governo (que ajuda a governar a tribo) é algo de parecido com a paixão amorosa e não algo como o entusiasmo pela poesia. Não é como tocar órgão numa igreja, ou pintar em pergaminho, descobrir o Polo Norte (esse hábito insidioso), 'looping the loop', ou ser Astrónomo Real, etc. Porque estas coisas não queremos que um homem as faça, a não ser que as faça bem."
"Orthodoxy" (G.K.Chesterton)
Chamemos a esta declaração uma tentativa de recordar o básico. Mas terá sido como diz Chesterton na fonte grega? Aristóteles não tem dúvidas: somos um animal político. Não pode haver nada mais em comum do que isso. Mas não é tudo. O mestre daquele filósofo, Platão, dizia que a política é uma arte e que corremos o risco de naufragarmos se entregarmos o leme ao primeiro que apareça.
Portanto, duas ideias, em vez da simplicidade vitoriana.Se saltarmos para a actualidade, para este momento, em que, precisamente no 'berço da democracia', se pôs de rastos a mesma democracia, quando a ideia 'genial' do referendo de Tsipras se defrontou com a 'realpolitik' da Finança Mundial, temos aquela pirueta inconcebível do governo. O referendo foi concebido como o último cartucho, a 'bala de prata' que espalharia o susto entre os 'democratas' europeus. Na verdade, verificou-se o que se sabia há muito tempo: a democracia de um pequeno país não tem qualquer valor frente a outras democracias mais poderosas. Pode ser sacrificada pelo medo, o medo da Finança, o medo de outros eleitorados, o que for.
Quer dizer que a palavra democracia, na Europa, já não corresponde a um espírito, a um princípio. A nível das nações é retórica. Um estado é um estado é um estado. No dia em que o cálculo de Tsipras saiu errado, a Força dos estados apareceu sem máscara.
O maior estrago, porém, não foi causado à Europa que perdeu o fôlego, porventura, de vez. Foi na 'pátria da democracia', dentro do próprio estado grego. A vontade do povo foi oferecida em holocausto à agiotagem internacional. O espírito democrático foi esvaziado. Cedeu à pistola. Mas começou por ter sido jogado como uma ficha de casino.
As palavras de Chesterton, depois disto, perdem-se no passado remoto. Mas eu encontro nelas, apesar disso, uma bela nostalgia, que já não é paixão de amor, mas queda no sucedâneo poético.
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