01/12/14
DESENRAIZAMENTO
António Mesquita
paginaliterariadoporto.com |
"As pessoas são educadas no estilo vitoriano e não começam a transgredir, porque é muito perigoso. Não tem nada a ver com o bem ou o mal, é perigoso, é uma traição à linha da educação, que pode dar péssimos resultados, desajustes,doenças. Pode-se ficar com um eczema terrível. Devemos ter fidelidade à linha da educação porque toda a conversão é perigosa. Justamente, o que está a acontecer nos países de Leste é perigoso, porque é uma conversão."
(Agustina Bessa-Luís, em entrevista a Clara Ferreira Alves, em 1989)
Quem é que deseja a conversão? No fundo ninguém. Ninguém quer perder a alma, ou o que isso ainda quer dizer hoje, mesmo para um 'ateu'.
A conversão é o resultado de uma crise profunda, dolorosa, que nos aliena o nosso próprio passado. Quando os evangelhos se referem a Saulo, perseguidor de cristãos, assinalam a sua conversão com a espectacular queda de um cavalo e com a troca do S pelo P (Paulo). É preciso começar uma nova vida sobre os escombros e o esconjuro da história individual.
O esconjuro não é uma crítica que vise uma qualquer superação dialéctica. Interioriza-se a negação do outro, do que é diferente de nós, e atinge-se um grande potencial 'energético' porque, com isso, também temos de negar parte de nós. É esse o dinamite que os EIs recrutam no Ocidente...
O 'vira-casacas' é desprezado, principalmente, quando tem de ganhar a confiança dos seus novos aliados, com ataques ao seu próprio passado. Os antigos companheiros têm de ser desentranhados como o 'alien' da barriga de Sigourney Weaver.
Agustina diz bem que as conversões como as que aconteceram na Europa do Leste são perigosas. Homens esvaziados do seu 'estilo de vida', adoptam todas as 'virtudes' do novo estilo, como se aprendessem uma nova língua. E o perigo disso é o desenraizamento e a superficialidade.
PAPA E BIG BANG
UMA QUESTÃO DE FÉ!
Mário Faria
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Na gruta, a terceira idade dançava de forma animada, as mulheres com redobrado entusiasmo. Do Vira ao Kuduro os passes para os diferentes ritmos não divergiram tanto assim. A sala estava repleta. Não se notava cansaço: a terceira idade no seu melhor. Na zona do coreto a rapaziada da UFP mantinha a ordem unida e os gritos guerreiros no quadro das idiotas praxes académicas que duram todo o ano lectivo, para os meus lados. Junto ao Monumento à família, como apelido a escultura em cor de cinza e de caras desfiguradas e tristes pela penúria, os amigos dos animais reuniam com dezenas de cães dando jus à notícia que as famílias têm menos crianças que daqueles canídeos. Os miúdos não estavam por lá, apesar do bom tempo. Era este o ambiente, num dia bem solheiro no meu Jardim. Um atleta, já cansado pela idade, corria vergado pelo esforço: parecia mais sacrifício do que exercício, mas continuou com aquele ar infeliz e naquele ritmo lento e fatigado até o perder de vista. Também me sentia pouco feliz, dados os acontecimentos recentes, quando fui abordado por dois jovens da Igreja Mormon: um brasileiro e outro americano. Não dava por eles há muito tempo. Eram curiosos, fizeram muitas perguntas a que respondi evasivamente e lá consegui fugir com um panfleto daquela igreja com as teses da última Conferência Geral e o cartão de um deles com a seguinte assinatura:“Ao ouvirmos, que nosso coração seja tocado e nossa fé aumentada”.
Não tem mais de metro e meio de altura, anda vestido da forma tradicionalmente ridícula, de meia branca, casaco claro e calças cinzentas pelos tornozelos, gravata cheia de cores e chapéu de palhinha, foleiro. É provocador e fala a berrar como se lhe coubesse o direito de ralhar a toda a gente, apesar do tamanho, da pouca envergadura e da avançada idade. No bairro, chamam-lhe o Meia Leca. Encontrei-ono Jardim, vestido de forma ainda mais bizarra: substituiu a gravata por um laço azul com pintinhas amarelas e trazia um sobretudo cinzento, muito puído. “Obrigava” uma velhinha a atravessar a rua, com gritos descoordenados e sem delicadeza. Deu para perceber a incomodidade da idosa que, cansada do arrasto, o ameaçou com a muleta em riste em sinal de iminente ataque. O tipo percebeu o sinal e obedeceu, libertando a velha senhora. O Meia Leca fugiu em passo apressado a resmungar e seguiu para a gruta. Foi dar ao pé.
O ambiente no Jardim é simpático e familiar e não rima com o ruído à volta da justiça e da prisão preventiva de Sócrates. Não se ouvem protestos: o povo é sereno e não se incomoda com a fumaça. Talvez entenda que a vida continua e que a “Sócrates o que é de Sócrates e aos portugueses o que é dos portugueses”, o que vale tanto quanto a afirmação de que “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” que pareceu um achado na retórica de António Costa. Não há nada como as frases feitas, porque nada dizem e não comprometem. Cá por mim estou muito inquieto: acho que a direita sairá reforçada desta trapalhada e o PS vai sair mal tratado. Não me consolo com a desgraça alheia porque pode render votos a outros partidos de esquerda, o que não creio. Por outro lado, não estou certo que os juízes sejam imunes à atracção pelo poder: menos no TC porque as decisões são partilhadas pelo colectivo do que no TICem que um só homem mexe em demasiados processos de grande complexidade envolvendo quadros políticos e da administração pública. E como temo os juízos que agem ao sabor da corrente, do género que uma juíza transmitiu, subliminarmente, ao escrever num acórdão: “não aplicar uma pena que possa ser considerada laxista pela comunidade”. Sou um homem sem fé e o meu coração não se sente tocado: não consigo deixar de ter medo dos juízes e "o pior que podia acontecer ao país era uma República dominada por juízes ou magistrados". "É isso que está a acontecer. Eles é que mandam". Devemos estar atentos: um mal nunca vem só.
SE VOSSA EXCELÊNCIA...
Adriano Correia de Oliveira |