"Despolitizar completamente o espírito para o humanizar. (...)
Pôr as coisas em ordem em relação à morte, quer dizer, aceitá-la."
Esta é uma das últimas entradas nos 'Carnets' de Albert Camus. Alguns meses depois, em 4 de Janeiro de 1960, morre perto de Sens num desastre de automóvel, em que também faleceu o condutor, o seu editor e amigo Michel Gallimard.
Uma longa convivência com a tuberculose, os frequentes períodos de prostração física, não impediram uma obra literária original e um combate político que lhe grangeou alguns inimigos (na sua morte, benevolentes, como Sartre).
A politização do espírito, como ele diz, é contra a vocação do mesmo espírito. Nos antípodas do célebre aforismo de Terêncio, a politização não pode interessar-se por tudo o que é humano.
Há inteiras regiões do humano que se tornam invisíveis quando o grande jogo da política (mesmo quando não é a politiquice) se torna o nosso princípio de acção. Evidentemente que isso se aplica igualmente ao 'interesse' em geral que, a maior parte das vezes, faz parte de uma estratégia inconsciente de sobrevivência. Alguém disse que o animal que pensa é um animal doente.
A politização faz jus a outra afirmação de que a política é um afrodisíaco. É tudo isso, mas é sobretudo uma arte do esquecimento. É um palimpsesto. 'Escreve-se' sobre a questão das questões. A da frase com que Gauguin intitulou num dos seus mais famosos quadros pintados no Tahiti: "D'où Venons Nous / Que Sommes Nous / Où Allons Nous.". Frase, note-se, sem ponto de interrogação. Nesta pintura, o pintor tenta descrever o percurso da vida humana, que acaba na aceitação da sorte. É o pôr em dia as contas com a morte, que se lê no diário de Camus.
No quadro, a mulher que já saiu do centro é o palimpsesto revelado a si mesmo.
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