Mário Faria
“As comemorações dos quarenta anos do 25 de Abril, as oficiais e não oficiais, as da esquerda, as do centro e as da direita, são completamente inócuas, politicamente anestesiadas, de um conformismo idiota que serve sem a mínima reserva a reificação do passado. Por elas, não passa nem uma ligeira brisa de pensamento. Tudo desertou, ficou apenas o palco vazio de uma ideia…. Porque são festivas e pacíficas, as comemorações devem, portanto, ter um vocabulário reduzido, ficar pela língua cristalizada da maquinação “democrática”, quer por estratégia, quer porque já não se conhece outra”
“Em 1973, Sartre disse “Élections, piége à cons”, ou seja numa tradução rápida e insatisfatória “Eleições armadilhadas para idiotas”, adquiriu legitimidade e pertinência no interior do próprio regime que nos governa … Podemos, com toda a propriedade, retirá-la desse contexto e colocá-la, aqui e agora, porque a “escolha sem escolha” com que estamos confrontados é da mesma ordem e o que resta é uma política que chegou ao fim. A prova mais evidente desse fim é o triunfo incontestável do argumento TINA, isto é, “there is no alternative”. Votar já não é escolher, mas consentir: nada poderá sair das urnas que não seja uma política das coisas. Chama-se “política das coisas” à política que já nada decide e apenas admite.”
O 25 de Abril completou 40 anos. Revisitei a baixa sem nada procurar. Foi um momento de liturgia. Os cravos e os guarda-chuvas venderam-se bem. Encontrei amigos e conversámos. A peregrinação desaguou no local do costume e as palavras de ordem mais ouvidas eram as mesmas que cantei nos anos de brasa. Mudou tudo e mudámos nós. As reivindicações nem por isso. De qualquer forma, nota-se que há um descontentamento sentido. E resignado, muito provavelmente, apesar dos gritos. Mas, não precisava de lá estar para o sentir. A celebração de uma data que mudou Portugalnunca será inócua, pelo menos para os cidadãos que a viveram de forma empenhada seguindo valores em que acreditavam. Foi dura a luta: os trabalhadores e os seus representantes foram a locomotiva de todos os avanços e conquistas realizados, animados por experiências, doutrinas e teorias que seguiam, respeitavam e queriam aplicar. Porém, a agenda política foi ajustada ao ritmo da práxis revolucionária que iasendo escrita na rua de forma tão rápida, dinâmica e imprevisível que a maioria dos sábios apenas conseguiu acompanhar e depois influenciar, mas sempre a priori. Assistia e reagia no camarote destinado às elites. A maioria, foi desertando à medida que a normalização impunha a sua ordem.
Foi com respeito que acolhi os comentários de António Guerreiro (AG), e que constam do escrito em itálico, para servir de mote a uma conversa escrita feita a correr e ao sabor da pena. O que AG escreve dá sempre que pensar. Há nele um sentido de ruptura que me agrada. Os julgamentos que faz denunciando a “falta de uma ideia e o conformismo idiota que serve sem a mínima reserva a reificação do passado”relativamente às comemorações de Abril (e do 1 de Maio, supostamente) ou que“votar já não é escolher” são certeiros, mas não me chega. Exige-se mais a quem sabe mais. É importante enxergar a maleita, mas não basta. Às elites compete desenvolver as pistas que desenhem a cura. AG não deveria ficar pela denúncia que é abrangente e mete todos no mesmo saco. Até porque, popularmente, é muito vulgar expressar quase o mesmo (que não há escolha) quando se diz, muito simplesmente:“são todos iguais”. AG coloca-se num nível superior e tem uma linguagem bem melhor elaborada. Mas falta o mais importante: a ideia que tem sobre o que a nova ideia devia cumprir. Poderá essa ideia ser realizada pelos partidos do arco parlamentar? Pelo que AG escreve, fica subliminarmente a ideia que considera que as principais forças políticas esgotaram o seu arsenal ideológico e andam à volta de doutrinas exauridas que ultrapassaram o prazo de validade. Ou será que apenas pretende beliscar a oposição? Ou apenas as forças mais à esquerda da esquerda? Seja como for, não é uma questão de actores, estilo ou encenação. É uma questão de doutrina e programa.O fim da história já foi anunciado. A perspectiva do autor parece reconhecer a veracidade do facto. Se assim for e dado que o processo político (com estes partidos e com esta gente) é imutável, como chegar à frente, com quem e como, para criar uma nova ideia (uma nova utopia) que valha a pena perseguir? É muito complicado. Não tenho respostas, apenas dúvidas. Não identifico novos sinais. Esperemos, então!
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