Cristina Guerreiro
Engoliu. Não havia alimento para descer, nem água, tão pouco cuspo que tudo lhe havia secado no instante e até as lágrimas que sentia a arder não vinham, só o queimado a incendiar desde a boca do estomago até aos lábios apertados que não tinham perguntas a fazer perante o que acabara de ouvir. Depois de se ouvir as palavras que ouvira não há nada a dizer, não há nada a dizer, escutava na sua cabeça e rasgavam-lhe gritos mudos por dentro na interrogação, queria fugir e sentia-se pálida nos pés, nas mãos, no rosto e tudo lhe incendiava porém.
Engoliu as palavras que ouviu. Caíram como pedras para dentro de um estomago oco, ofendendo a alma.
Baixou os olhos, sentiu vergonha de si e não sabia porquê.
Às vezes achava-a triste e intrigava-se com tão profunda melancolia, uma quase queda para dentro de si que a fazia desaparecer, engolida como se fosse um chão de si mesma a abrir-se em fenda que depois se quisesse cerrar como sepultura. Tinha receio de a abordar nesse estado por lhe parecer tão delicada. De outras, os olhos pareciam chamá-la a pedir ajuda e ela não estava certa se era pedido de socorro ou apenas o mote para iniciarem conversa de circunstância.
Acabaram a falar por intermédio de terceiros e ao final de um par de horas, a conversa deslizava como se uma necessidade de ambas as tivesse posto naquela posição por uma força maior.
Não se tornaram inseparáveis, mas amiúde a procura aproximava o diálogo intimista e revelador e um dia ela perguntou-lhe porque era ela uma mulher tão triste.
Não houve resposta.
As lágrimas rebolavam pela face, pelo pescoço, pela camisola, era um rio silencioso imparável.
A outra não sabia o que fazer. Muda, deu-lhe a mão e assim se mantiveram até o choro acalmar e por fim se esgotar num silêncio seco, com uma despedida às pressas sem olhar.
E por cada vez que o assunto era aflorado vinham as lágrimas, a mão já não chegava para o consolo porque já o sabia e escondia-se num cruzar de braços, e as palavras começaram a fazer perguntas sobre tanta água, tanta amargura, tanta morte no olhar.
Era o amor e o desamor.
Amava um homem e estava presa a um outro do qual não se podia libertar sob pena deste se condenar a um destino que lhe cobraria a vida inteira ensombrando-lhe o coração, impedindo-lhe no fundo, de amar.
E a verdade, não conta?
Não, não conta, o que contava era o que se via e o que se via não era o que ela mostrava de verdade, porque lágrimas e dor e amor, só com ela se permitia libertar, a mais ninguém, nem ao amor, preferia fingir que tudo estava bem a pensar num gesto desesperado, e a quem estava presa, mentia igualmente, fazia de conta que estava como sempre tinha sido.
Até quando? Uma vida dupla até quando? Um dia iria olhar para o espelho e haveria de querer escolher ou então não saber qual preferir ou pior nenhuma aceitar, liberdade, liberdade no coração e na alma, mais lágrimas até haverem mares que afoguem homens e nenhum se salve para salvar-te...
As quatro estações rodaram e as lágrimas não fizeram nem um ribeiro, vieram sorrisos, gargalhadas, palmas. Estava bonita, um semblante brilhante e iluminado, faladora, parecia ter rompido de uma pele velha apertada para surgir viçosa.
A amiga chegou-se perto e sorriu-lhe, ela correspondeu. Perguntou-lhe como estava, como ía a sua vida, que a via bem e feliz e ela respondeu que não a queria metida nas suas coisas, não eram do seu rosário, que não se envolvesse em assuntos que não lhe diziam respeito.
Ela engoliu.
Sentiu vergonha de si, mas era da amiga também.
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