Alcino Silva
Estou em crer que desde o momento primeiro em que os nossos olhos se abrem, iniciam uma procura, de um sonho, de um objectivo, de um lugar. Sim, certamente sem o sabermos, o nosso primeiro olhar, enquanto vagueia na descoberta do que vê, está já a perseguir uma utopia, o grande objectivo da vida, chegar, embora não saibamos onde. Sei que foi assim, na timidez dos meus passos primários, das mãos que procuravam um ancoradouro, do olhar que ansiava a descoberta do novo. E viajei. Ao longo de décadas, os meus pés não se cansaram de palmilhar o mundo, o terreno e o celeste. Procurava. Demandava algo que não sabia, mas acreditava identificar assim que chegasse. Por onde andei perde-se o relato pelas brumas da história e rompi elos do tempo nesse caminhar sem descanso. Atravessei onze fusos horários pendurado nas janelas do transiberiano, cruzei rios, ladeei lagos, recordei a passagem das Aleutas no primeiro povoamento das Américas e revivi esse momento nas caravelas de Colombo desembarcadas nas praias caribenhas antes do holocausto indígena. Nos tempos de Inverno desenhei bisontes nas pinturas de Lascaux, naveguei nos barcos egípcios que carregaram as pedras que transformaram em esplendor os palácios de Luxor. Auxiliei os pintores de Florença e servi na Corte de Nefertiti. Ainda a memória não descansara da vivência centenária das Feiras da Flandres e já os meus olhos se humedeciam ao lembrar aquele dia em que a caminho de Siracusa ouvia Pitágoras contar aos netos que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Entre secantes e tangentes vigiei as noites em que Galileu, Galilei, espreitou os astros e muito mais tarde, debruçado na janela de uma nave fantástica circundei os anéis de Saturno. Cruzei mares infinitos, uni o azul da água com o do universo e aterrei na Terra do Fogo donde trouxe a tristeza e a melancolia que enche os meus dias, mas nesse lugar longínquo aprendi a escrever cartas de amor e a construir amizades. Nas alturas de Machu Picchu aprendi a compreender a grandeza humana e a beleza dos gestos e dos sentidos. Da cordilheira andina avistei as naves de Gama, sobranceiras, atravessando o Índico e altaneiras devastando culturas, regressando de bojo cheio das especiarias que mudariam a Europa. Resisti esfomeado no Cerco do Porto, onde ouvi os gritos de liberdade que reformariam o rosto do meu país, sete balas só na mão já começa a amanhecer, cantaria o poeta e apregoaria o ideal dos homens que sonhavam no interior das muralhas sitiadas, enquanto o fragor da artilharia elevava mais alto o querer humano. E triunfamos como num outro tempo quando vivi entre os mesteirais de Lisboa. Que tempos esses, após a glória da presença árabe que me enchia as madrugadas de um canto que soava a maré cheia ou aos poentes desérticos de África. Não sabia do que precisava, mas não desisti, pois certamente o meu querer seria grande para tão longo caminho. Em vales misteriosos descansei a alma à sombra de milenares mosteiros. Vagueei por portos e aldeias, escondi-me nas montanhas alpinas dos horrores das pestes medievais e quando em Roma parei na observação da opulência, dessa riqueza semeada de ódios, vontades e ambições, sentia já essa fadiga que nos assalta o corpo quando não encontramos o que procuramos, mas pela primeira vez que me interroguei, estava no Cabo Norte no extremo dos gelos noruegueses, escutando o silêncio árctico e vendo a dança colorida e fantástica das auroras boreais. Que procuro eu, que bastará para me fazer aconchegar num lugar e fazer cessar esta caminhada histórica, interroguei as noites gélidas dos frios polares e ainda de novo desci nos barcos viquingues que assolavam o litoral ocidental da Europa nesses saques medievais e assim cheguei até à costa onde a terra acaba e o mar começa e foi nesse istmo de rocha nua que olhando o infinito azul oceânico, compreendi que para sossego da alma e acalmia do sonho, não se tornavam necessárias mais viagens, nem conquistas e descobertas, nem fantasias de grandeza. Para que tudo que procurei chegasse, bastava apenas…, uma palavra tua.
Sem comentários:
Enviar um comentário