Mário Martins
O mais antigo ícone conhecido do Cristo Pantocrátor (omnipotente) - Wikipédia |
“Não tenho que ditar leis, mas apenas que recordar o significado do amor”.
Patriarca Atenágoras (depois de ter lido a encíclica Humanae Vitae) *
Individualizada pela evolução própria do Oriente cristão, a Igreja Ortodoxa, tal como a Igreja Católica, está consciente da sua integral continuidade com a Igreja do primeiro milénio, a dos mártires, dos Padres e dos sete concílios ecuménicos. *
O cisma entre o Ocidente e o Oriente cristão é, afinal, um longo processo de afastamento que se concretiza entre os séculos XI e XII. Em 1054 fracassa uma tentativa de aproximação que redunda numa troca de anátemas entre um legado pontifício e um patriarca de Constantinopla. *
Ao lado de factores importantes mas hoje caducos, como o significado religioso do Império, os ortodoxos apresentam como causas duradouras e propriamente teológicas do cisma do Ocidente o papel do papa na Igreja e a teologia do Espírito Santo. *
Com a reforma gregoriana, o primado romano evoluiu para uma monarquia cada vez mais absoluta (processo que só terminaria em 1870) e afirmou-se como fonte de todo o poder, não apenas espiritual, mas também temporal. Quanto ao Oriente, permanece fiel a uma concepção conciliar da Igreja, no quadro de uma “sinfonia” com o Estado. *
A controvérsia acerca da “processão” do Espírito Santo gira em torno da fórmula do Filioque, porque o Ocidente, apesar de nenhum concílio ecuménico ter alguma vez examinado o problema, acrescentou à fórmula joânica, retomada pelo segundo concílio ecuménico, “o Espírito procede do Pai”, a expressão “e do Filho”, em latim Filioque. Para os ortodoxos, o Filioque compromete a “monarquia” do Pai; além disso, a dependência unilateral do Espírito relativamente ao Filho iria traduzir-se numa dependência análoga da liberdade profética segundo o Espírito relativamente à presença sacramental e hierárquica de Cristo. *
A Igreja Ortodoxa conservou o rito chamado bizantino, afinal organizado inicialmente no mosteiro palestiniano de São Sabbas. Junta textos que remontam aos primeiríssimos séculos do cristianismo e uma abundante hinografia. Os ciclos litúrgicos entrecruzam-se numa complexa sinfonia. Tudo é animado pelo ciclo pascal, tudo culmina na Páscoa, a “festa das festas”, na qual ressoa incessantemente este refrão: “Cristo ressuscitou dos mortos. Pela morte, venceu a morte. Aos que estão nas sepulturas deu a vida”. *
Uma beleza especial, que tem que ver com a “corporeidade espiritual” e com o simbolismo, pacifica e ilumina todas as faculdades através do canto, do ícone, da luz das lamparinas e dos círios, dos perfumes, de uma gestualidade de inclinações e prosternações. A transfiguração dos sentidos pela beleza que “suscita toda a comunhão” (…), a própria duração das celebrações, seguidas de pé na maioria das igrejas ortodoxas, provocam uma interiorização, despertam o “coração”. *
* “As grandes religiões do mundo”, Olivier Clément, Direcção de Jean Delumeau, 1993, Editorial Presença, 2002.
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