António Mesquita
“Uma pintura notável, datada de cerca de 12.000 AC, numa gruta em Lascaux, conhecida pela Cripta porque é ainda mais profunda do que as outras grutas, descreve um grande bisonte que foi esventrado por uma lança arremessada através dos seus quartos traseiros. Colocado em frente do animal ferido está um homem, desenhado num estilo muito mais rudimentar do que os animais, com os braços erguidos, o falo erecto e trazendo o que parece ser uma máscara em forma de pássaro; o seu bordão, poisado no chão à sua beira, está também encimado pela cabeça dum pássaro.”
“The case for God” (Karen Armstrong)
Como se sabe, os homens do Paleolítico veneravam os animais e consideravam-nos “mensageiros de poderes mais altos”. O acto de os matarem para comer impunha certas obrigações simbólicas. Os caçadores “prometiam cumprir ritos que lhes dessem (aos animais) uma vida póstuma.”
O homem pintado na Cripta é talvez um cháman que se identifica com uma pássaro para “poder” voar e que se encontra em estado de exaltação (o pormenor do falo). Mas nas grutas de Lascaux não se vêem renas pintadas, quando os homens dependiam delas para o seu alimento. Os tabus encontram-se desde a noite dos tempos.
Não é uma hipótese absurda admitir que esta prática religiosa, que se confunde com a arte primitiva, tenha sido incorporada e “travestida” no nosso comportamento actual.
O que é que faz do Natal uma festa religiosa e não apenas um desperdício consumista? É o facto de praticamente todas as pessoas (pelo menos as que vivem em países de tradição cristã), mesmo as que se confessam ateias ou agnósticas, “celebrarem” o nascimento duma criança, que, por acaso, ocorre na altura da sementeira do trigo e do centeio. Há um rito agrário na origem de tudo isto, transformado num rito sobretudo familiar (mas não é de somenos serem “todas” as famílias).
Diz a autora, citando Walter Burkert, que a religião não é o que as pessoas pensam, mas o que elas fazem. São os ritos que produzem as ideias religiosas e não o contrário.
“A religião é uma disciplina prática que ensina a descobrir novas capacidades da mente e do coração”. Tal como a verdadeira arte.
Por esta ordem de ideias, o católico que falta ao ritual já saiu da religião. Ou, para ser mais benévolo: trocou o ritual da igreja por outro. Os Romanos encontravam-se para comer a carne dos animais consagrados aos deuses, e era essa a sua homenagem.
Como os trogloditas de Lascaux (pode ser que a gruta fosse apenas o seu templo) matam para comer, mas “pagam” simbolicamente com a dedicatória ao Animal que preside à vida de homens e animais.
Sem comentários:
Enviar um comentário