No início de Julho ao ler os jornais locais, fui surpreendido pela notícia de que o presidente da assembleia municipal da Póvoa de Varzim, um Alberto Costa de sua graça, se a memória não me trai, se opôs a uma proposta do deputado bloquista para ser aprovada uma saudação de homenagem ao escritor José Saramago, acabado de falecer. Disse então, o tal Costa que só aceitaria a proposta se fosse retirado o adjectivo, brilhante e um outro, ou seja, nomeava-se o escritor, não por ser brilhante, mas pelo contrário. Perturbou-me a notícia, numa cidade que tanta ênfase tem dado à literatura e que todos os anos celebra esse acontecimento áureo que são as Correntes D'Escritas. É verdade que não é um simples Costa que faz história. Aliás, creio que o horizonte deste Costa não chega a atravessar a Av. dos Banhos.
Dias mais tarde, a crónica de Manuel António Pina dava-nos conta que Rui Rio e o seu Partido se opuseram a que a cidade do Porto ostentasse na sua toponímia o nome de José Saramago. Desconheço os argumentos, apenas me vou apercebendo que este Rui Rio não consegue sair desse papel de contabilista. Soma o IVA, o IRS e tudo o mais são questões supérfluas e não sei porquê criei essa ideia de que puxaria da pistola – caso a usasse – quando lhe falam em cultura.
Esta sucessão de notícias fez-me lembrar uma pergunta há meses atrás de um jovem escandinavo à saída do aeroporto de Pedras Rubras: «quem é ou foi, Francisco Sá Carneiro?». Parei para pensar quem foi este personagem que enche as ruas, travessas, largos, praças, avenidas, becos e calçadas do nosso país. Quiseram até roubar-nos o nome do aeroporto e da Praça Velasquez. Curioso, fui à procura para que não fosse a memória enganar-me. Encontrei-o nos finais da década de 60 como membro da União Nacional, o Partido do fascismo português e como seu membro, eleito deputado da Assembleia Nacional desse próprio fascismo, ou seja, um jovem da absoluta confiança do terror reinante. Lá se encontrava com outros amigos como, o respeitável João Bosco Soares da Mota Amaral, Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Magalhães Mota e Miller Guerra. Encontraram-se todos após a revolução na fundação do PPD/PSD como gosta de dizer esse inefável, Pedro Santana Lopes. A Internet não é muito pródiga em informação. Ministro sem Pasta nos governos provisórios, este antigo advogado, foi eleito deputado à Constituinte e à Assembleia da República, abandonou a chefia do Partido durante um ano, criou a Aliança Democrática e foi primeiro-ministro oito meses. É pois esta figura que caso não tivesse falecido da forma dramática que todos conhecemos, já ninguém se lembraria dele, com excepção do Pedro Santana Lopes, que aparece na toponímia de todas as cidades, vilas e aldeias deste país. Não se conhece qualquer acção deste homem que mereça referência, estudo, ser exaltada, nomeada, reconhecida, lembrada. E contudo…
Gabriela Mistral e Pablo Neruda foram os dois Prémios Nobel da Literatura do Chile. O último foi reconhecidamente membro do Partido Comunista, senador eleito e candidato à presidência da república e nem esse excremento da história que deu pelo nome de Augusto Pinochet ousou manchar-lhe a morte ou a obra. Contudo, em Portugal, ao único Prémio Nobel da Literatura, não se reconhece o direito a figurar com o nome de rua e só se homenageia se não for brilhante. É o esplendor a que vão chegando os herdeiros de alguns que foram os últimos deputados do regime ditatorial. Esperar mais deles, seria não conhecer a história. Mas compreende-se. Germinam numa pátria que deu nome de rua a um treinador de futebol e uma criatura com a ignorância de um Manuel Pinho, já leva duas na colecção. Continuamos a assistir a estes ensaios sobre a cegueira. Pobre da pátria e de mim, que vou asfixiando com ela.
Sem comentários:
Enviar um comentário