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01/11/13

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A IDEIA

António Mesquita

"Já um sábio o disse: 'Ubi Veritasibi patria'. A pátria nao é o solo, é a ideia.

Para que haja uma pátria portuguesa é preciso que exista uma ideia portuguesa, vínculo da coesão intelectual e da coesão moral que constituem a nacionalidade de um povo.

Sabem dizer-nos se viram para aí esta ideia?..."

"As Farpas" (Ramalho Ortigão e Eça de Queirós)

Se no último quartel do século XIX, esses dois grandes vultos das letras portuguesas indagavam pelo paradeiro da 'ideia', o certo é que quase século e meio depois estamos ainda longe de a avistar, mas também já ninguém a procura.

João Miguel Tavares escreveu há dias um interessante artigo sobre as saudades da pátria. Temo, porém, que não tenha sido o regime anterior, com a sua propaganda e a poluição da linguagem, quem mais contribuiu para que a própria palavra parecesse perder sentido.

Essa palavra não está somente envergonhada e sem poder exprimir-se fora dos jogos internacionais de futebol, dos festivais da canção ou da concentração dos peregrinos em Fátima (os famosos três 'efes' do tempo de Salazar). Foi vencida pela geografia virtual da globalização. A pátria que significado tem num 'call center'?

Por muito que custasse à dupla das 'Farpas', o que motiva a coesão intelectual e moral de um povo são os seus momentos de perigo e a celebração deles. Ora, o passado é cada vez mais digital, precário e manipulável. António Ferro era um principiante. Eisenstein, como propagandista, titubeava.

A massa dos 'media' já só celebra o 'momento'. O orgasmo comercial.

Eça e a 'ramalhal figura' acrescentam:

"A sociedade portuguesa neste derradeiro quarteirão do século pode em rigor definir-se do seguinte modo:—Ajuntamento fortuito de quatro milhoes d'egoísmos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em comum."

(Ibidem)

 

PEDRO E PAULO

Alcino Silva

Desde há muito que a seita une na mesma solenidade, Pedro e Paulo, como se viessem do mesmo berço, passaram a ser as suas duas grandes colunas, esses pilares fundamentais onde repousam os mandamentos que nos amortalham. Pedro, pescador do Mondego foi escolhido por Angelus como pedra fundamental do bando e cabeça do corpo místico, representando aqui na terra a deusa do norte, depois de sucessivos estágios formativos em sessões de fingimento gestionário. Paulo, nascido na Pedreira, duma família séria, não pertenceu ao número daqueles que, desde o princípio, conviveram com o bando. Perseguidor do burro de Belém, converte-se aí pelo ano 94, a caminho de Braga após ter derrotado o rato mickey, tornando-se, desde então, apóstolo apaixonado da seita. Montado no burro que perseguiu, tornou-se seu apoiante quando este foi promovido a boizinho e passou a aquecer com o seu bafo os meninos na gruta da SLN, nas noites frias em que aguardavam a multiplicação do pasto.

Figuras muito diferentes pelo temperamento e pela cultura, viveram, contudo, sempre irmanados pela mesma fé e pelo mesmo amor ao bando. Pedro tem aquele ar ensimesmado, nessa fronteira entre o palerma e o atolambado. Caminha sem rumo, sem distância, sem regras. Na sua imbecilidade cismática é persistente, mas ainda o dia não nascera e já mentira três vezes. Os livros não falam, mas continuou a mentir, porque para ele a verdade é um sofisma. Paulo, é de outro nível, vogando entre o matreiro e o manhoso, estando em viagem entre a demagogia e a trafulhice, e como em toda a sua vida, também aqui chegou através de submersas águas. Porfiando na imitação do guardador de vacas e de sonhos, insiste em fazer lembrar o artista de circo que é apresentado com um longo rufo, enquanto a plateia de olhos presos no tecto da tenda ouve uma voz de fundo sublinhar o risco da habilidade. «Eu sei em quem creio», brada Paulo enquanto desenha linhas vermelhas curvilíneas, cuja ética se distingue pela impiedade com que se destaca a roubar os velhos para encher as tulhas desse 1% de crápulas que se tornaram mandadores sem lei através da violência exercida sobre os restantes 99%. Estes filhos do fascismo, vivem assemelhados na mesma crença e no mesmo amor às hostes que lhes pagam e subsidiam a vaidade e a falácia.

Pedro tornado oficial de diligências, trouxe consigo das longas paragens o mago Gaspar e quando as fantasias deste se esgotaram, com o apoio do bafo do boizinho que está em belém a aquecer o menino, socorreu-se da Maria, mas ainda esta não pousara e já se via que não era virgem, por si tinham passado apaixonadamente swaps e mais swaps. Segue agora de machete em punho, a ceifar, que este machete é impoluto, um pouco esquecido é certo, engana-se aqui e ali com esse entorpecimento dos tontos, mas age como todosos impostores que percorrem os salões dos palácios. Paulo na sua aleivosia, socorreu-se do rapaz das cervejas, soldado experiente e obediente, com essa capacidade de dizer palermices como só aos ignorantes é permitido.

Pedro e Paulo montaram um negócio no aparelho do Estado e transformaram-se numa espécie de zé do telhado do século vinte e um, roubando aos pobres para encher os ricos. Na luxúria da sua estupidez criminosa mergulharam o país na obscuridade sombria da miséria. Uma infame tríade sujeitou a lei a uma espécie de golpe de estado, sem militares e sem controlo e seguem vencedores por cima de todos os cadáveres que vão gerando.

Alguns escandalizaram-se com as palavras do banqueiro de que aguentaríamos o quanto fosse necessário, mas o banqueiro tem razão. Aguentamos 48 anos e certamente aguentaremos outros tantos. Alimento porém a esperança que ao fim dessas décadas quando a paciência se esgotar, os que então viverem, não venham a ter as mesmas dúvidas do passado, sobre se, devem internar esta canalha no Campo Pequeno ou se os mandam para a prisão, que optem antes por os enviar para uma ETAR, lhes dêem o melhor tratamento possível, como se dá aos produtos que ali entram e quando já não poluírem que os espalhem mar dentro. Talvez depois possamos viver num país decente.

O VÍRUS

Mário Faria

A rendição repousa sobre a impotência das instituições democráticas, em particular dos Estados-Nações, diante das forças do mercado que perdeu, nos tempos que correm, o seu estatuto de instituição humana para se afirmar como uma forma quase divina com decisões sem apelo.

O capitalismo, com a queda do muro, globalizou-se, definitivamente. Os países que outrora viveram sob a tutela da União Soviética e a China renderam-se às virtudes do mercado. Parecia tudo correr bem a caminho de uma sociedade que garantia uma casa ao alcance de todos, quando o crash provocado pelo subprime abalou o chamado mundo ocidental. Cá dentro, o PS pôs-se a jeito e paga a factura pela actual banca rota do nosso país, dado o brutal endividamento do estado, das empresas e das famílias. Por arrasto, qualquer narrativa abrangível no conceito de “estado social”, ainda que benévola e moderada, é para esquecer.

Este somatório de factos, sustenta a investida dos ditos mercados para o ajuste de contas. O crescimento e o consumo não constam do programa porque não é exequível, segundo a actual cartilha; assim tornou-se inevitável mudar de táctica que passa, por agora, pelo aumento de impostos, pela redução dos custos do factor trabalho, público e privado, e pelo assalto às pensões e reformas. As privatizações fazem parte do pacote. A saúde, a edução e os transportes serão os próximos alvos. O novo paradigma do sistema, no consenso alargado de quem decide e dita as regras, é atacar a constituição para acabar de vez com os estrangulamentos que impedem a nova ordem.

Dei por mim a tentar ser bom rapaz e, para o efeito, ponderei as causas e consequências do dito programa de ajustamento, lendo e ouvindo as mais diversificadas contribuições. Não recusei argumentos, embora alguns me causassem uma certa repulsa. Talvez a ideologia não ajude, mas custa perceber que o actual programa seja capaz de produzir os efeitos previstos, ou seja: a redução da dívida e do défice, a recuperação da economia,o fim de recessão, o regresso aos mercados e a plena soberania a partir de 2014, porque até agora a receita apenas agravou a doença. Se o programa insiste na receita, só que mais dura e inflexível,levar-nos-á a um programa cautelar salvífico ou por ele matar-se-á o paciente?

Matutei, avaliei as condições inscritas no plano orçamental e, no quadro de um vasto leque de dúvidas, apenas reconheci sinais inquietantes. A meu ver, identifico no cumprimento deste plano uma sanha perigosa, discriminatória e para aplicar apenas aos servos e a outros grupos destinatários do “ ai aguentam, aguentam. Como alguém escreveu, e cito de memória, “o vírus que se propaga é o vírus mutante do fascismo e os seus pilares são a tirania, o fanatismo, a arrogância, a ignorância, a indiferença e o medo.

VOTO BRANCO

Mário Martins

 

 

Passava da meia-noite quando o escrutínio terminou. Os votos válidos não chegavam a vinte e cinco por cento, distribuídos pelo partido da direita, treze por cento, pelo partido do meio, nove por cento, e pelo partido da esquerda, dois e meio por cento. Pouquíssimos os votos nulos, pouquíssimas as abstenções. Todos os outros, mais de setenta por cento da totalidade, estavam em branco.”

José Saramago

Ensaio sobre a lucidez – 2004

As recentes eleições autárquicas, pelas maiores taxas de abstenção e de votos brancos e nulos alguma vez registadas e pela ascensão das candidaturas independentes, dão uma clara oportunidade de corrigir a nossa democracia representativa. Não se trata, apresso-me a dizer, de acabar com os partidos, embora a afirmação, imediatamente seguida de um ponto final, de que não há democracia sem partidos, se afigure, no contexto de hoje, objectiva ou subjectivamente, suspeita de procurar manter o actual estado corrupto das coisas. Se, de facto, não há democracia sem liberdade política, nomeadamente a liberdade de criação e de existência de partidos, essa liberdade que, sublinhe-se, é dos cidadãos e não dos partidos, não pode ser interpretada como a possibilidade destes, periodicamente, pedirem um cheque em branco aos eleitores. No entanto, é isso que se tem passado em Portugal. Contrariamente ao que acontece nas eleições para a Presidência da República e para as Autarquias Locais, em que os cidadãos se podem candidatar ou apoiar candidaturas directamente, para a Assembleia da República só os partidos se podem candidatar. Na prática,não se elegem os deputados nem, muito menos, o governo, mas sim os chefes partidários da ocasião. É isto que é preciso mudar. Como? Com uma campanha dos movimentos políticos de intervenção e opinião, de exigência de mudança do sistema eleitoral, tantas vezes prometida, no sentido de submeter os candidatos a deputados, sejam propostos pelos partidos ou por grupos de cidadãos (como, por aí, já se reclama), ao voto dos eleitores. Essa campanha incluiria um forte apelo ao voto em branco, em larga escala, já nas próximas eleições europeias, se os partidos continuassem a fazer “ouvidos de mercador”. Seria, então, o tempo de passar da ficção de Saramago para a realidade.


PS: No programa televisivo “Olhos nos olhos”, do Dr. Medina Carreira, de 7 de Outubro passado, o Engº. Ângelo Correia, uma velha raposa do PSD, justificou a sua recusa de candidaturas directas dos cidadãos a deputados, com o perigo de esses futuros deputados independentes serem capturados por grupos de interesses. Foi a “piada” da noite…

 

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