Alcino Silva
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Os compassos da lenta descoberta
principiaram como o sol a chegar no fim da madrugada. Apareceram como luz a romper a noite, aumentando de intensidade num processo lento e de achamento até tudo em redor aparecer visível e quando percebemos que a escuridão partiu e os objectos se tornam perceptíveis, compreendemos que um novo dia nasceu. O Inverno embarcara no último navio a deixar o porto e a Primavera surgiu do interior de uma auréola e trazia todas as cores que a imaginação humana pintou e o inacreditável parecia fazer nascer jardins por todas as ruas onde passavas e as flores que cresciam apareciam como uma oferta encantada aos meus olhos. Paulatinamente o sonho foi ganhando forma, esboçou as linhas principais, desenhou um rosto, fez transpirar um olhar e através dele, recriou a natureza. Fechei os olhos e apertei os dedos. Tornei a abri-los e a fantasia permanecia, era real e deixei-me ir em barco navegado, em sono de romantismo, em delírio de poeta e como em terra desconhecida procurei conhecer o dialecto do saber, o alfabeto da melodia que bailava sobre mim e fui encontrando, formas e traços de um rio que crescia e se alargava para além das margens.
Ensaiei a dança das palavras
uma primeira e outra segunda, uma frase e um parágrafo e em breve dançavam soltas como as estrelas no interior das galáxias, rodando e crescendo. Foram dizendo de mim e perguntando de ti, adivinhando caminhos, semeando metáforas, procurando a beleza dos adjectivos como forma de construir a tua e viajei de noite e de dia, umas vezes fantasma, outras pássaro de floresta, contei o mundo, inventei histórias, naveguei do passado para o presente, acreditei ser personagem do futuro e voltava sempre às palavras que falavam de ti e dos lagos que habitavam no interior dos teus olhos.
E vi o encantamento soltar as asas
e voar por sobre os rios que fugiam das labaredas de um incêndio que acendias todos os dias que somavam os anos. A cada instante teu, brotava um planeta e o vento era mensageiro das cartas escritas em noites de lua cheia enquanto a minha nau se perdia nos mares do sonho sem conseguir encontrar o rumo que o teu astrolábio feiticeiro desenhava no meu caminho. Içava as velas, desfraldava os panos do meu navio para amparar o sorriso que enviavas em passarolas de papel colorido presas por um cordel que as tuas mãos de fada faziam girar sobre mim, chamando-me. E fui, tantas vezes quantas me chamaste, e outras tantas, em que acreditei ouvir-te. Acordava estonteado, aturdido pela delícia da tua presença e as imagens do amanhã faziam apagar a tristeza do passado com essa chama quente que irradiava de ti.
E veio a ânsia, despida
pela ternura de um gesto que marcava a fogo a tua passagem. Construí pontes, ergui os braços nessas preces que procuram o destino e desejei ser ave, senti-me comandante de uma armada invencível, fui marinheiro e conquistador, procurei-te entre as estrelas e as minhas mãos estenderam-se para ti na carência amarga do tempo perdido e arquitectei as carícias que as mãos desenham na procura de um rosto amigo e senti o afago das madrugadas sem nome passarem por mim quando te lembrava e soube que a dança do universo vivia em mim quando te aproximavas, mesmo que as minhas mãos não te alcançassem.
E todo este movimento perpétuo
conduziu-me pela vivência dos dias mágicos, sem tempo, que existem no limbo dos momentos perfeitos. Percorri as margens do Nilo e avistei-te nesses passeios matinais de princesa levando contigo essa beleza imemorial que castiga os homens pela incapacidade de amarem. E fui, umas vezes sem rumo, outras no interior de uma geometria infinda. Nem ventos nem marés, apenas o teu sorriso escrevendo palavras de fumo sobre o azul infinito. Nos teus olhos viajando para sempre a eternidade e nos meus, sedentos como a terra seca do deserto, apareciam oásis onde saciava a sede milenar dessa beleza que em ti viaja.
Aprendi a sinfonia dos silêncios. Das esperas
sentado no cais do tempo aguardando o regresso do teu navio que zarpou numa manhã de sossego, nesse instante em que os sons se extinguem, se esvaem como água evaporando-se ao sol. De forma progressiva, foste apagando para mim a luz dos teus olhos, essa chama com que acendias as estrelas que enxameavam o nocturno e universal céu. E os abraços do sorriso que ateava na minha solidão fogueiras nocturnas de alegria, escondeu-se atrás das nuvens que subtraem a música à lua. A minha lembrança lança cordas de esperança à melodia que vinda de ti soa como um tambor no interior da memória e atiço a fantasia que me fizeste viver, para que não acordem os fantasmas que haviam partido perante o fulgor da ternura que carregavam os gestos e afectos que atiravas como pétalas sobre a ilha onde vivia.
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