Mário Martins
Rhombicuboctahedron for 1509 publication called "Divina Proportione"
Como pode, sem cair no ridículo, um ignorante como eu, que praticamente se esqueceu de como fazer, manualmente, uma conta de multiplicar ou de dividir, falar do fascínio tardio que a matemática lhe causa? a matemática, quer dizer, não a sua técnica em que sou, repito, um rematado ignorante, mas o seu papel central no processo de conhecimento e compreensão da realidade.
A resposta talvez seja a de que a matemática, muito para além dos números e da aritmética é, fundamentalmente e segundo a sua definição moderna e consensual, a ciência dos padrões, consistindo, se assim posso dizer, na descoberta de tipos de comportamento da realidade e na formulação de teorias explicadoras (que passa pelo estudo dos próprios padrões da matemática ou de outra disciplina).
Mas há ainda o outro aspecto sedutor de os seus “objectos” se revelarem paradoxalmente infinitos (é sempre possível aumentar um número, por maior que seja), no meio do caldo finito da realidade física.
Vem este prelúdio a propósito de um livro recentemente editado entre nós, sobre “os sete maiores enigmas da matemática contemporânea”1. Uso o termo prelúdio para corresponder ao modo como o autor designa o primeiro grande problema (que a comunidade dos matemáticos, segundo ele, considera o mais importante) e que é conhecido pela Hipótese de Riemann2: a música dos primos.
Que música dos primos (números que são divisíveis apenas por eles próprios e por 1) é essa?
O grego antigo Euclides demonstrou que há infinitos números primos e que qualquer número natural maior que 1 ou é um número primo, ou tem uma decomposição em primos única (a menos que haja troca da ordem dos factores), tal como nos exemplos: 21 = 3 x 7 ou 260 = 2 x 2 x 5 x 13.
Outra característica dos números primos, segundo a Conjectura de Goldbach3 (que continua em aberto apesar de pesquisas por computador a verificarem para todos os números pares menores ou iguais do que 400 triliões), será que qualquer número par superior ou igual a 2 é a soma de dois números primos, como nos exemplos: 8 = 3 + 5 ou 12 = 5 + 7.
E o matemático chinês Jeng-Run Chen mostrou, na segunda metade do século XX, que a partir de um certo número N, todo o número par é, ou uma soma de dois números primos, ou a soma de um número primo com o produto de dois primos.
“À medida que olhamos para números cada vez maiores, os primos parecem tornar-se mais escassos”, tal como se pode ver no apuramento, por tranches numéricas até 1 000 000, da quantidade de primos, em percentagem:
até 10 | 100 | 1000 | 10 000 | 100 000 | 1 000 000 |
50% | 24% | 16,8% | 12,3% | 9,6% | 7,8% |
Significa isto que “a partir de certa altura deixa de haver números primos?”, “ou será que a partir de certa altura a tendência se inverte e encontramos muitos primos?”; em suma, “qual é o padrão, se é que existe, formado pelos números primos entre todos os números naturais?”
Julgo poder dizer que a Hipótese de Riemann, ainda não demonstrada (a demonstração dá direito a um prémio de um milhão de dólares), define um padrão dos primos. E o que é que isso interessa à nossa vida?
Segundo o autor, “cada vez que o leitor usa uma caixa automática no seu banco, ou faz uma transacção comercial na Internet, a segurança da sua transacção depende da teoria matemática dos números primos”. “Quando viajamos de carro, comboio ou avião, entramos num mundo que depende da matemática. Quando pegamos num telefone, vemos televisão, ou vamos ao cinema; quando ouvimos a música de um CD, nos ligamos à Internet, ou cozinhamos algo num forno de microondas, estamos a usar os produtos da matemática. Sem matemática avançada, nenhuma destas tecnologias e conveniências existiriam”.
Filosoficamente, questiona-se se a matemática é invenção ou descoberta. A minha resposta è similar à que dou à questão do livre arbítrio: acho que este é real, no sentido em que os seres humanos têm o poder de agir sobre a natureza, mas que é aparente, no sentido em que o mesmo lhes foi determinado pela própria natureza.
Como alguém disse, a matemática é a linguagem do universo.
1 “Os Problemas do Milénio”, do matemático americano Keith Devlin, editado pela Gradiva.
2 Georg Friedrich Bernhard Riemann, célebre matemático alemão do século XIX, ao qual, segundo o autor, “se deve muita da nossa concepção actual da natureza da matemática”.
3 Christian Goldbach, matemático amador alemão do século XVIII.